Ruas como lugares para pessoas: inspirações de Amsterdam

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Traduzido do artigo original de Jason Colbeck para o site Mobycon

A maneira como vivenciamos as ruas que constituem nossas cidades varia de acordo com o indivíduo e onde ele vive. Seja qual for a circunstância, no entanto, as ruas representam uma boa parte do espaço acessível ao público, e a maneira como ele é utilizado e alocado impacta nossas vidas.

Como tantas outras pessoas, eu passei mais tempo em casa durante os últimos meses, e isso afetou a maneira como eu interajo com o espaço ao meu redor. Seja para fazer exercícios físicos, para fazer de conta que estou indo ao trabalho ou apenas para espairecer, eu tenho passado mais tempo explorando as ruas de meu bairro e de Amsterdam em geral. Nesse processo, eu tenho refletido sobre a natureza das ruas não apenas como um espaço para movimento, mas para pessoas, conectividade, e interação social.

Amsterdam (e muitas outras cidades holandesas) documentou muito bem o histórico da transformação de seu ambiente urbano. Vários espaços e ruas que um dia foram dominados por veículos automotivos em decorrência do planejamento de tráfego pós-guerra hoje podem ser usufruídos por pessoas e estão abertas para uma miríade de outros usos. Para descobrir quais outros usos podem ser feitos das ruas, eu montei na minha bike e rodei sem rumo certo para conferir o que Amsterdam poderia oferecer.

Transforme ruas para inspirar conexões sociais

Rua Hemonystraat, em De Pijp, Amsterdam.

Felizmente, eu não tive que pedalar muito para encontrar minha primeira fonte de inspiração bem aqui no meu bairro. Hemonystraat, em De Pijp, é uma via típica de Amsterdam: uma rua residencial tranquila que só permite que automóveis passem por ela como destino final. Isso é garantido, em parte, por um filtro de modais na metade da rua que consiste de uma ciclovia e um playground. Esse playground faz parte do legado de speelstraten, ou “ruas parque” em De Pijp, hoje algo comum em toda cidade e criado como resultado do ativismo em prol das crianças da década de 1970. Mark Wagenbuur (@BicycleDutch) já escreveu sobre isso, e é possível assistir a um trecho de um documentário a respeito desse movimento aqui.

Como dá para ver, a rua se tornou um espaço social. Crianças de todas as idades brincam por conta própria em um ambiente seguro, enquanto os pais podem relaxar e encontrar os vizinhos.

Bairro de Frans Hals em De Pijp, Amsterdam.
A convivência nas ruas floresce com a ausência do tráfego de carros.

Ainda em De Pijp, mais ou menos 1 km a oeste, está o bairro de Frans Hals, palco de uma mudança dramática nos últimos anos. A construção de uma nova linha de metrô na região e de um novo estacionamento subterrâneo criaram a oportunidade para que se removessem 600 vagas de estacionamento das ruas, deixando apenas um pequeno número de áreas de carga e descarga e de vagas para pessoas com deficiência. Todo o espaço restante – e havia espaço de sobra – ficou disponível para, bem, qualquer outra coisa! Com essas ações, a prefeitura criou uma plataforma para se descobrir o que é possível fazer em ruas residenciais.

Até o momento, o espaço foi cedido para hortas comunitárias, restaurantes e cafés, parques infantis e estacionamentos para bicicletas, enquanto a cidade consulta a comunidade pra desenvolver planos para reformas mais permanentes. O processo foi registrado pela Streets Films e pode ser encontrado aqui. Nesse meio-tempo, as ruas de Frans Halsbuurt oferecem tanto para os residentes como para os visitantes a oportunidade de reocupar o espaço que foi tomado pelos veículos motorizados e desfrutar das ruas de uma nova maneira. Não chega a surpreender que, quando isso acontece, as pessoas se sentem confortáveis para se sentarem, conversarem, e até mesmo jantarem ao ar livre no espaço público.

Mitigue a crise climática com reformas nas ruas

Exemplo de jardim pluvial em Amsterdam.

É evidente para quem atravessa o bairro (graças ao site Not Just Bikes, dá para fazer isso até remotamente!) como suas ruas são verdes e coloridas, mesmo para os padrões verdejantes de Amsterdam. Os jardins de rua suplementam os tradicionais geveltuinen, “jardins de fachada”: pequenos jardins na frente das propriedades permitidos – e até encorajados! – pelo município. Situado em um país famoso por ficar abaixo do nível do mar e obrigado a lidar com o aquecimento global, o município leva a drenagem das águas pluviais muito a sério. Isso cada vez mais é visto nas ruas, onde a vegetação urbana e o gerenciamento das águas ajudam a mitigar os impactos das condições meteorológicas mais severas.

Mais para oeste, a reforma planejada e a renovação da rede de esgotos em Bellamybuurt tornaram possível torná-lo “à prova das chuvas”. Esse bairro fica numa área particularmente baixa e suscetível às inundações decorrentes das chuvas. Como em outras regiões da cidade, a realocação de espaços buscou reduzir a quantidade de vagas para carro, aumentar a área para pedestres e incorporar jardins pluviais e espaços onde crianças podem brincar.

Ruas como playgrounds

Crianças brincam em playground na rua de Vrolikstraat.

Abrir espaços para as crianças brincarem é um tema recorrente nessa viagem-relâmpago pelas ruas de Amsterdam. Vrolikstraat, na zona leste da cidade, tem pelo menos três playgrounds bem no meio da rua, em espaços que outros municípios dedicariam a mais vagas de estacionamento. Em uma cidade de aproximadamente 850 mil habitantes, em que 86% das pessoas vivem em apartamentos, não são muitos que dispõem de uma área externa privada. A Prefeitura tomou a decisão correta de oferecer oportunidades para as pessoas socializarem e as crianças brincarem.

Isso, no entanto, é apenas parte da história. Oferecer espaço para recreação e interação social não é incomum, nem específico de Amsterdam. Várias cidades do mundo inteiro oferecem isso em abundância, em parques, quadras esportivas e praças públicas. O que Amsterdam faz de excepcional é permitir que essas atividades aconteçam nas ruas. Elas representam a proporção mais significativa de todo espaço público de uma cidade, e em Amsterdam, as ruas perfazem quase 30% de toda área urbana. E mais, essas ruas são os lugares onde as pessoas vivem, trabalham, vão às compras. Ao se reduzir o domínio dos veículos motorizados, as ruas também se tornam lugares para se divertir e para passar o tempo.

Espaços para conexão

Para muitas pessoas, os eventos recentes transformaram profundamente a rotina. Para alguns, isso também significou questionar como podemos vivenciar o espaço que nos rodeia e interagir com as outras pessoas em segurança. Amsterdam oferece algumas sugestões de como o próprio espaço fora de nossas casas pode ser usado para permitir que continuemos a nos locomover sem deixar de entrar em conexão uns com os outros e interagir com o ambiente.

JASON COLBECK é consultor em design urbano e mobilidade.