Em um ano, 75 bilhões de animais foram criados para atender a indústria alimentícia do mundo todo. Destes bichos, quase um em cada quatro morreram e foram jogados fora, revelou um estudo publicado recentemente na revista Sustainable Production and Consumption (“Produção e consumo sustentáveis”, em tradução livre).
Realizado pela Universidade de Leiden, na Holanda, o estudo estima que em 2019 o ser humano criou por volta de 75 bilhões de porcos, galinhas, perus, bois, cabras e ovelhas para o consumo. No entanto, aproximadamente 18 bilhões desses bichos morreram e não foram comidos. O estudo incluiu estatísticas de todos os pontos da linha de produção: animais que morreram antes da hora em fazendas ou a caminho do abate, aqueles que foram desperdiçados durante o processamento, e aqueles que foram descartados em restaurantes, supermercados e consumidores. O estudo não incluiu o desperdício de peixes e frutos do mar, o que poderia incluir outros bilhões de vidas animais na conta.
A maior parte desse desperdício acontece em apenas 10 países. Os campeões desse triste campeonato são a China, os Estados Unidos, a Rússia e sim, o Brasil. O estudo também preparou estatísticas sobre a média de animais descartados per capita: enquanto a média mundial é de 2,4 animais por pessoa, no Brasil se desperdiça 5,4 animais por brasileiro. Os campeões do desperdício são os Estados Unidos, com a média de 7,4 bichos mortos desnecessariamente por pessoa.
Mais do que um problema de desperdício de alimento – afinal, apenas no Brasil 21 milhões de pessoas passam fome e 70 bilhões sobrevivem em condições de insegurança alimentar – esta questão também apresenta um problema ambiental. Estima-se que a agropecuária seja responsável por quase um terço da emissão mundial de gases causadores do efeito estufa (no Brasil, ela é responsável por 29% do total). Ou seja, cada animal criado e jogado fora significa emissões de carbono que poderiam ter sido evitadas. Além disso, quando a comida vai parar em aterros sanitários e lixões, ela gera gás metano, outro causador do efeito estufa.
O estudo da Universidade de Leiden aponta que o frango é de longe o animal mais consumido pela indústria – em 2019, foram criados 16,8 bilhões de frangos. Para efeitos de comparação, no mesmo ano foram criados aproximadamente 402,3 milhões de perus, 298,8 milhões de porcos, 195,7 milhões de carneiros, 188 milhões de bodes e 74,1 milhões de bois e vacas.
A indústria norte-americana de abate de frango é um bom exemplo de como acontecem essas mortes desnecessárias de animais. Lá, 5% dos 9,3 bilhões de frangos criados para a alimentação morrem já nas granjas, em decorrência das circunstâncias em que vivem. A maioria desses frangos são de espécies selecionadas para crescerem muito, e muito rápido, a ponto de viverem em dor constante, desenvolverem deformações nas pernas, morrerem de ataque cardíaco ou até de fome ou por desidratação – os bichos crescem a ponto de não conseguirem caminhar para chegar ao alimento ou à agua.
A mesma situação ocorre no Brasil, em que esses frangos, desenvolvidos para terem peitos e coxas desproporcionais, foram apelidados de “frangos Frankenstein”. Eles nascem, crescem e são abatidos em apenas 42 dias, um terço do período de tempo normal para a espécie. Em 2022 foram abatidos 6,11 bilhões de frangos no Brasil.
O desperdício de carne continua nos supermercados e nos lares. Nos EUA, 7% do desperdício de frangos acontece durante o transporte para o abate, quando os animais perecem devido à exposição às intempéries, superlotação em caminhões e durante viagens que costumam durar mais de 28 horas consecutivas. No Brasil, cada pessoa desperdiça em média 41,6 kg de alimento por ano, segundo um estudo da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), publicado em 2018. São 4,9 milhões de quilos de carne desperdiçados por dia, o suficiente para alimentar 84% dos 116 milhões de brasileiros que sofrem de insegurança alimentar.
O desperdício de alimentos, principalmente de carne, é uma preocupante questão ética e ambiental, que poderia ser bastante amenizada com melhor planejamento industrial, maior consideração pela dignidade dos animais e conscientização do consumidor quanto às consequências de seus hábitos. São bilhões (com b) de vidas que são eliminadas sem necessidade. E não é algo impossível de ser mudado, se houver conscientização e boa vontade.