10 pontos de atenção quanto aos direitos da Natureza

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Em 2006 o Equador tornou-se o primeiro país a reconhecer, em sua Constituição, a Natureza como sujeito de direitos. Isso significa que lá, é possível alguém entrar com uma ação para defender a existência de um rio, uma floresta, um parque, uma espécie animal, ou qualquer ser vivo não-humano. Outros países como a Nova Zelândia e a Índia já reconheceram direitos próprios para rios e parques específicos, assim como alguns municípios no Brasil.

O próximo passo para criadores de políticas públicas, comunidades e ativistas ambientais é ir além de considerar se a Natureza pode (ou deve) ter direitos, mas como esses direitos podem ser implementados efetivamente.

Em julho de 2023, especialistas em direitos da Natureza da Europa, do sul da Ásia, das ilhas do Pacífico e da América reuniram-se em Sydney, na Austrália, para discutir o que acontece depois que rios têm seus direitos reconhecidos. O resultado foram dez pontos de atenção que deve-se considerar quando se pretende criar ou implementar os direitos da Natureza, listados a seguir.

1. Os direitos da Natureza devem refletir relações com o lugar e o pensamento anticolonial

Para que sejam realmente transformadores, os direitos da Natureza devem refletir a relação que se deseja criar e manter entre as pessoas e o lugar. Em sociedades colonizadas como o Brasil e a Austrália, as leis dos povos originários devem tomar lugar central, e deve-se reconhecer sua liderança dentro do movimento dos direitos da Natureza.

Aliados de outras culturas e o Estado de origem colonizadora devem trabalhar em parceria com os povos originários, e até reconhecer que alguns desses povos rejeitam o viés de “direitos” e construções da natureza como “pessoa legal”.

Em todas sociedades, o esforço de criar e implementar os direitos da Natureza deve se concentrar em expressar a razão de se fazer isso, e usar essa razão para reconectar as pessoas com o ambiente.

2. Não há uma receita única

O contexto faz diferença. Jurisdições distintas terão suas próprias normas legais, culturas, instituições políticas e histórias. Além disso, cada ecossistema é distinto, com suas próprias necessidades quanto à proteção e regeneração.

As providências relativas aos direitos da Natureza irão variar de acordo, desde direitos específicos reconhecidos à Natureza como um todo (como acontece no Equador) à criação de uma pessoa jurídica (como foi feito com Aotearoa, na Nova Zelândia), de uma pessoa física (na Índia) ou de uma entidade viva (na Austrália).

3. O sucesso se expressa de diferentes formas

O sucesso deve ser avaliado com relação aos propósitos que se pretendia quando os direitos da Natureza foram reconhecidos. Por exemplo, em 2014 a lei Te Awa Tupua reconheceu o rio Whanganui como uma “pessoa jurídica”, mas a intenção não era conseguir melhorias ambientais imediatamente, mas sim contestar o colonialismo e obter reconhecimento da relação entre o rio e os Whanganui iwi (o povo originário daquela região).

4. O sucesso leva tempo

A criação de normas que reconhecem os direitos da Natureza pode até acontecer rapidamente, mas é bem difícil que se obtenha resultados palpáveis imediatamente. Gerrard Albert, o principal negociador dos Whanganui iwi, estabelece metas de longo prazo, como a mudança das tomadas de decisão no futuro relacionadas a planos de construção de hidrelétricas no rio Whanganui em 20 anos.

5. Parâmetros possibilitam a responsabilização

Até recentemente, um dos principais empecilhos para o cumprimento dos direitos da Natureza era a falta de parâmetros que tornem possível avaliar o respeito, ou a violação, desses direitos. No caso do rio Aquepi, o tribunal considerou que o rio tem o direito de correr em seu curso – a primeira vez que um julgado relacionado aos direitos da Natureza incluiu esse tipo de parâmetro com relação aos direitos de um rio.

6. Não bastam direitos – a Natureza requer instituições, organizações e verbas

A implementação dos direitos da Natureza exige investimentos substanciais em novas instituições, o que inclui organizações independentes com verbas adequadas.

No caso do rio Atrato, na Colômbia, as estruturas administrativas já existentes e a falta de fundos são fatores que limitam a implementação dos direitos bioculturais desse rio, uma situação que se torna pior pela falta de poder coercitivo das entidades protetoras do meio ambiente mantidas pelo governo nacional.

7. Deve-se levar a sério as responsabilidades legais

A crise climática se agrava cada vez mais. O ser humano continua a se desenvolver e a construir utilizando-se da Natureza. O homem prossegue desconsiderando os riscos sociais desse tipo de desenvolvimento. Tudo isso levará a efeitos cada vez mais desastrosos de eventos climáticos extremos, como queimadas, secas devastadoras e enchentes sem precedentes.

Reconhecer a Natureza como detentora de direitos pode levar à intenção de se responsabilizar judicialmente qualquer organização que venha a ser criada para atuar como tutora ou interlocutora da Natureza. A incerteza quanto a esse tipo de responsabilização já fez com que pessoas escolhidas para serem tutores de rios na Índia rejeitassem esse papel.

8. Transformar a linguagem ajuda a modificar os resultados

O reconhecimento dos direitos da Natureza requer uma mudança profunda em nossa relação com o meio ambiente: homem e Natureza tornam-se parceiros e colaboradores, unidos por um elo de deveres mútuos.

Por exemplo, o parque nacional Te Urewera, na Nova Zelândia, foi reconhecido como pessoa jurídica em 2014, e agora busca substituir os contratos de concessão e licenças tradicionais por “acordos de amizade”, que exigem a consideração do bem-estar do próprio Te Urewera.

9. Aprenda com outros exemplos de personalidade jurídica

Não é necessário reinventar a roda. Pode-se aprender com os avanços nas legislações de Direitos Humanos, direito empresarial e inteligência artificial. Por exemplo, há paralelos importantes que podem ser feitos entre os avanços dos direitos da Natureza e os direitos das pessoas com deficiência, como o conceito de personalidade relacional, que está ganhando força.

Instrumentos internacionais de direitos humanos legalmente vinculantes podem servir de exemplo para se estabelecer os direitos da Natureza em escala transnacional.

10. Todos devem estar envolvidos

Traduzir o conceito de direitos da Natureza para uma realidade tangível desafia nossos conceitos de quem deve participar do processo de tomada de decisão, e como isso acontece.

Apesar da diversidade de contextos e ferramentas empregadas em diversos países, percebe-se um fio condutor: muitos desses exemplos estão envolvendo ativamente partes da sociedade que antes não tinham voz.

Por exemplo, os arranjos de tutela para o Mar Menor, no sudeste da Espanha, incluem representantes das comunidades locais.

No caso do rio Birrarung/Yarra em Victoria, na Austrália, novas relações entre agências e novos mecanismos de cooperação estão surgindo em instituições já existentes, conforme uma compreensão mais holística do rio exige com quem passem a cooperar.

Os direitos da Natureza podem refletir as relações de poder em nossas sociedades, para o bem e para o mal. Se queremos encontrar uma maneira de lidar com a crise ecológica em curso, precisamos transformar as dinâmicas de poder existentes.

Precisamos tomar providências para que voltemos a ter boas relações com a Natureza.