Um dos argumentos que os manda-chuvas de startups como Uber, Lyft e a brasileira 99 Táxis gostam de usar é que o serviço que oferecem seria um aliado do transporte público. A lógica seria que os cidadãos usariam os apps em áreas desprovidas de ônibus e trens para chegarem até a parada ou estação mais próximos, e daí trocariam de modal. Uma pesquisa estadunidense recente demonstrou o que muitos brasileiros já sentem no dia a dia: na verdade, o transporte por aplicativo compete com o público.
Os estudiosos conferiram a utilização do transporte público e dos automóveis convocados por aplicativo na cidade de Chicago. Ao analisarem as estatísticas colhidas antes da pandemia de Covid-19, eles constataram que quase metade dos deslocamentos feitos utilizando esses aplicativos poderiam ter sido realizados por meio do transporte público. Apenas 2% das viagens se encaixavam no modelo “complementar” descrito acima. A metade restante das viagens que usavam aplicativo foi realizada em áreas desprovidas de transporte público.
E olha que isso acontece numa cidade como Chicago, em que os serviços de planejamento de rotas constroem as viagens para integrar o transporte por aplicativo e o transporte público!
Mas qual seria o problema disso? Bem, pra começar, a viagem por aplicativo é bem mais cara que a de ônibus, trem ou metrô (olá Nath Finanças!). Mas não é só isso: cada deslocamento por Uber ou 99 Táxis tem um impacto muito maior no meio-ambiente, não apenas pelas emissões de gás carbônico do automóvel durante a viagem em si, mas também porque deve-se colocar nessa conta a poluição gerada pelo veículo nos períodos em que circula sem passageiro.
Para a surpresa de ninguém, o estudo constatou que a substituição do transporte público pelos carros chamados via aplicativos acontecia mais intensamente nos horários de pico, ou seja: muita gente prefere pagar mais para fugir do ônibus ou trem lotados. Suas análises também confirmaram que essas substituições acontecem mais frequentemente em áreas afluentes da cidade, mais bem servidas pelo transporte público.
Não é possível afirmar com segurança que os efeitos observados em Chicago se repetem pelo resto do mundo – mas isso é bem possível. Os efeitos do “transporte por aplicativo” sobre o deslocamento urbano, no entanto, é inegável. Outro estudo, realizado em 25 cidades dos EUA em 19, estima que para cada ano em que Uber & cia. funcionam em uma cidade, a quantidade de passageiros de ônibus cai 1,7% e de passageiros de trem, 1,3%.
É um movimento que vai na contramão do necessário para tentar conter os efeitos do aquecimento global – avalia-se que seria necessário dobrar a oferta de transporte público nas cidades para se alcançar a meta de aquecimento global de 1,5° até 2030. O efeito predatório dos apps sobre o transporte público acaba doendo não apenas no bolso dos usuários, mas também, bastante, no meio-ambiente.